segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O anjo da guarda do Coco

Coco é um cachorro de sorte. Nasceu no sítio do meu pai, filho da Priscila e do Titanic, era o mais bonitinho da ninhada, todo branquinho e peludo. Na primeira vez que o vimos, tinha quase dois meses e era muito fofo. Sabrina quis porque quis e eu disse não porque não.
Pouco mais de um mês depois, voltamos ao sitio, perguntei pelo cachorro. Trouxeram pra mim, feio, magro, quase sem pelos, coberto de carrapatos e sem andar direito,com uma infestação de verme de porco nas patas. Sabrina queria porque queria, o pai disse que podíamos levar, fiquei meio em dúvida, sem querer ter trabalho com cachorro e com medo depois da morte traumática da Cléo por infarto na nossa frente. Mas ela queria queria queria e lá fui eu dar banho no cachorro, catar carrapato, dar comida. Ele ficou mais apresentável e trouxemos. No carro, a escolha do nome: Fofinho? Não, fresco demais. Algodão? Naaam. Nuvem? Naaam. Pode ser Coco, mamãe? Poooode, Coco é ótimo! "É Coco porque ele é branquinho, se fosse preto ia ser Pneu".
Primeira parada: Hospital Veterinário da UFPI. "Dr, esse cachorro vinga? / Minha filha, o mal desse cachorro é fome. Dê comida, dê vitamina, dê remédio pra verme que num instante ele fica bom".
Detalhe: no sitio do meu pai o caseiro acredita piamente que a comida dos cachorros brota do chão, ou que eles vão pular no riacho e pescar peixes pra comer. Ele não alimenta os bichos (#bicho_escroto).
Pois bem, levamos o pequeno pra casa, e tome remédio de verme, e tome vitamina, e tome ração da boa, e tome banho com xampu clareador pro pelo ficar branquinho, e tome brinquedinhos, tome vacinas e amor demais, que a essas alturas eu já tava paxonadinha.
Depois de um mês, consulta de volta no veterinário. "Esse é aquele cachorro daquele dia? O magrelo e doente? / O próprio, doutor. Não ta ficando lindo?".
E foi ficando mais lindo e mais lindo, e grandão, e peludo e muito danado.
E isso tudo eu disse pra chegar na campanha de vacinação antirrábica do último sábado. Há dias que eu tava com um pressentimento ruim, não queria dar a vacina, depois que soube dos problemas com cachorros em SP. Sábado foi um dia atípico, eu deveria ter chegado em casa às 14h, mas Sabrina doente, esperar exames, carro na oficina me atrasaram. Passei no primeiro posto às 17h05, a vacinação tava encerrada. Corri até o segundo posto, encerrada.
Ele não foi vacinado. Se tivesse sido, eu tenho certeza que teria tido um problema, porque eu tava sentindo que isso ia acontecer. O anjo da guarda dele é esperto igual ele!

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Regina

Talvez a Regina nem soubesse o quanto eu gosto dela, o quanto admiro a sua força, a sua coragem, o seu cuidado, a sua vocação de cuidar. Ela certamente não sabia o quanto eu fiquei triste de ver o seu sofrimento, ver aquela mulher forte e lutadora aos poucos perdendo o viço, a alegria, as forças. Covardemente, eu evitei visitar o Abrigo São Lucas nos últimos tempos.
Evitei porque eu sabia que ela estava doente, e admito que fui covarde porque deixei de ir por não querer ver a Regina no estado em que ela estava.
Contrariando todas as expectativas, remando contra a maré, enfrentando todo tipo de dificuldade, a Regina conseguiu levar adiante o projeto do irmão Joaquim, de cuidar dos velhos (seus filhos, como muitos fazem questão de dizer), de não deixar que eles fossem maltratados, judiados, de acolher os abandonados, fazendo do Abrigo um lar de fraternidade, de compaixão. Dando a muitos a chance de ter uma última morada digna, com comida, com remédios, com uma cama limpa para dormir, mas acima de tudo dando a eles atenção, afeto. Que o diga a dona Cícera, que acompanhou a trajetória da Regina e do Joaquim desde o começo, a primeira “filha”.
Quantos de nós seríamos capazes de abrir mão de nossas vidas para viver em favor dos outros, de desconhecidos? Para dormir e acordar preocupados? Para bater de porta em porta atrás de remédios, de fraldas, de comida, de produtos de higiene, de roupas para os outros? Quantos de nós teríamos estrutura para ver, dia após dia, idosos chorando a falta dos filhos, dos netos? Vê-los se arrumando para esperar uma visita que nunca chega, cheios de esperança de voltar para uma casa que nunca será a sua?
A Regina soube ser capaz de dar consolo, de acolher em seus braços quem chorava, de ser firme quando houve necessidade, de lutar pra dar dignidade a quem chegou no outono da vida.
Quem pode dizer que ela não foi feliz? Acho que agora, entre os anjos, ela descansa, já que aqui entre nós ela não pôde descansar.